Uma paixão adolescente dura toda nossa existência
Sempre vi a infância e principalmente a adolescência como tempos onde se adquirem paixões que caminharão conosco a vida inteira. No meu caso, o futebol, a literatura e o cinema assumem esse papel.
O futebol foi o meio pelo qual ampliei a relação e os momentos de convívio com meu pai. E durante aqueles noventa minutos a relação pai e filho se convertia em torcedores amigos, que falavam de tudo, e eu aproveitava para adentrar lugares que me eram mais difíceis na relação pai e filho pelo respeito e hierarquia, que vinha muito mais da minha timidez do que por falta de abertura.
As quatro linhas sempre me foram sagradas e por mais que com o passar do tempo e amadurecimento eu tenha me deparado com o lado sujo do futebol, seu uso político, entre outras coisas, nunca permiti me tirassem essa relação afetiva com o jogo - a política já nos tira tanta coisa - não podemos permitir que nos tire paixões juvenis que nos transportam para um lugar afetivo.
Assim, sem me deixar alienar e atento ao que ocorre, mas também sem deixar de me divertir, o futebol ocupa bom espaço em minha vida e como muitos também sonhei em ser jogador, joguei na várzea por longo tempo e hoje estou mais para peladeiro de fim de semana do que para varzeano - já que considero a várzea muito mais do que uma simples pelada, várzea é futebol em sua essência -. A várzea, os campeonatos e as viagens me trouxeram muito mais do que o simples prazer de jogar e competir. Tivemos resenhas inesquecíveis, vitórias históricas e derrotas doloridas, mas acima de tudo o futebol me trouxe grandes amigos.
A várzea traz noção tática e um entendimento de jogo que deixa muito comentarista no chinelo, somada a ela venho de uma geração que teve o contato com a evolução dos jogos eletrônicos que passaram a nos colocar em contato virtual com esse sonho de sermos jogadores e treinadores de futebol.
Horas de videogame com os amigos, verdadeiras e intermináveis mesas redondas na porta de casa, no boteco, coisas que foram mantendo vivo o amor pelo futebol. No final da década de noventa começaram a aparecer os primeiros simuladores de gerenciamento esportivo, Elifoot (que depois se converteu em Brasfoot) e principalmente o Championship Manager que levou o simulador de jogos para outro nível e com o passar do tempo o desmembramento dele no Football Manager, que é em minha opinião o melhor simulador de futebol entre todos. Com isso passamos a sonhar a não mais ser apenas jogadores, mas também em sermos os "professores". Desde então é um jogo que sempre joguei, às vezes menos pelos estudos, trabalhos e outras responsabilidades que a vida adulta nos traz, mas ele esteve sempre ali. Não tinha como ser diferente, aquela paixão da infância não iria me abandonar e hoje já como pai, ainda jogo sempre que posso e esse blog - que está sendo reativado, porque já existiu em outro momento - tem o objetivo de compartilhar essa experiência, dar dicas para quem está chegando agora, mas, claro, fazer amigos.
Para falar um pouco das minhas referências, elas se dividem por fases da minha vida.
Da década de 90 tenho Carlos Bianchi, maior treinador da história da Libertadores, sendo tetracampeão da competição, três vezes pelo Boca e uma pelo Vélez, e tricampeão mundial, sendo duas conquistas pelo Boca e outra pelo Vélez.
Foi o time do Boca do final dos anos 90 e início dos 2000 um dos que mais me influenciou. Bianchi desenvolveu meu amor por uma retranca bem feita, mas aquela retranca milonguera argentina, como dizia a letra da banda argentina Bersuit "con la fantasía a la estrategia fría".
Esse Boca era frio e ao mesmo tempo tinham muito coração, que jogava em casa e fora da mesma forma, que assustava os adversários em La Bombonera e quando não dava buscava o resultado fora. Um time que é Libertadores em sua essência, do goleiro baixo pegador de pênaltis (Córdoba) ao Patrón Bermudez, passando pela genialidade de Riquelme, contando com os gols de Palermo, 10 e 9 clássicos, funções que o futebol moderno tenta matar.
Outro treinador importante desse período é o "pofexô" Luxemburgo. Antes de ser colocado numa vala folclórico (ao meu ver injustamente), ele sempre foi sinônimo de inovação e futebol ofensivo. Sem todas as nomenclaturas do futebol atual, Luxa foi referência no futebol brasileiro, treinando as maiores equipes do país, seleção brasileira e Real Madrid, algo impensável para um treinador brasileiro nos dias de hoje.
Foi um treinador que conseguiu idolatria nos rivais Corinthians (meu time do coração) e Palmeiras, tendo marcado minha infância e início da adolescência os esquadrões montados por ele nos dois times, obviamente o palmeirense não me traz lembranças boas, mas falando em qualidade, sempre buscou o jogo bem jogado.
Falando em referências europeias as duas principais são Mourinho e Zidane. Óbvio que tenho meu apreço por muitos outros nomes como Ancelotti, Trapattoni, Bielsa, Klopp, Guardiola, Simeone, Gallardo e tantos outros. Mas falando de referência e estilo, após os anos 2000 "Zé" Mourinho e Zizou deixaram suas marcas.
Mourinho é um daqueles personagens raros no futebol, responsável por um título histórico com o Porto, time que inclusive virou base de uma seleção portuguesa vice-campeão europeia, responsável direto por recuperar a autoestima do futebol português a nível europeu.
Fonte: Invictos FC |
Hoje conhecido por muitos como um treinador defensivo, já montou times que gostavam muito da bola. Além do já citado Porto, o time que mais me marcou da era Mourinho foi aquele Chelsea (ainda não tão recheado de estrelas, muitos dos jogadores se tornaram estrelas nas mãos de Mourinho).
Tenho muita memória afetiva de ver bons jogos daquele time que tinha Duff na porta esquerda (às vezes um jovem Robben), liderados por Lampard e Drogba e uma defesa que tinha nomes como Cech, Terry e Makélélé. Era um time que marcava muito, mas gostava da bola também.
Fonte: Chelsea Brasil |
E aqui não vou nem falar dos títulos da Inter, da mudança de chave que ele trouxe a um Real Madrid freguês do Barcelona que a partir de Mourinho começa a competir. Da volta ao Chelsea quando o davam como acabado e ele torna a vencer a Premier League, e do resgate aos títulos no United.
Falar da sua relevância para o mundo do futebol é chover no molhado e os que não o reconhecem isso estão errados, você pode não gostar do Mourinho por esse ou aquele motivo, mas menosprezar sua importância jamais. Porque Mourinho é tudo isso, é daqueles caras que você olha títulos grandes e os elencos e sempre vê ali um trabalho que tira o máximo dos jogadores.
Por fim, vou lembrar de Zidane (e o Zidane treinador tem muito do Ancelotti, outra grande influência) de quem a minha admiração vem desde os campos. O que Zizou fez no Real Madrid foi histórico, impossível não se encantar por um jogo simples, sem firulas e tatiquês. Um jogo raiz, com seu xerifão na zaga, o lateral esquerdo craque, o volantão a frente da zaga, liberdade criativa e foco no jogo ofensivo e vencedor absurdo. Um gênio que se mostra discreto também à beira do campo, sem o reconhecimento merecido, que outros que nunca venceram nada gozam dos ditos intelectuais do futebol.
Mas é isso, espero que gostem do blog e que ele promova trocas de conhecimento para todos nós.
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Gil Costa é assistente social, escritor, professor e jogador de várzea. Tem dois livros publicados, participação em antologias, revistas literárias e colaboração em sites esportivos. Corintiano desde o útero, xeneize, rossonero e bolsilludo por afeto.